O JOVEM E SUA VISÃO DE IMORTALIDADE
IMMORTALITY FEELING AMONG ADOLESCENTS
Jael de Paula Guimarães
Médica Hebiatra. Ambulatório de Adolescentes. Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto
CORRESPONDÊNCIA: Rua Amador Bueno, 237. 14010-070 - Ribeirão Preto, SP.
Guimarães JP. O jovem e sua visão de imortalidade. Medicina ( Ribeirão Preto} 2005; 38 (1): 42-44.
Resumo: O texto comenta os pensamentos onipotentes que o adolescente tem diante da
morte. Para isso, tece comentários sobre a “síndrome da adolescência normal”, de acordo com
as teorias de Aníbal Ponce desenvolvidas por Maurício Knobel e Arminda Aberastury.
Descritores: Adolescente. Morte. Síndrome da Adolescência Normal.
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Medicina (Ribeirão Preto) Simpósio:MORTE: VALORES E DIMENSÕES
2005; 38 (1): 42-44 Capítulo V
comportamento humano normal, e que isto ocorre na
evolução de todo adolescente. Esses comportamentos
variam de indivíduo para indivíduo, de cultura para
cultura ou de um grupo social para outro. Os limites
que definem o início e o fim desta fase também variam
muito. O professor Mauricio Knobel2 comentou
haver “uma situação que obriga o sujeito a reformular
os conceitos que tem a respeito de si mesmo e que o
levam a abandonar sua auto-imagem infantil e a projetar-
se no futuro de sua vida adulta”. Dr. Knobel e
outra psicanalista argentina, a doutora Arminda
Aberastury2, são os pesquisadores responsáveis pela
caracterização da citada síndrome. Eles prosseguem
dizendo que para atingir a estabilização da personalidade
há que se passar por certo grau de conduta
patológica, que eles consideraram “inerentes a esta
etapa da vida”. Anna Freud (citada pelo Dr. Knobel),
afirmou “que é muito difícil assinalar o limite entre o
normal e o patológico na adolescência”, acrescentando
que “seria anormal a presença de um equilíbrio
estável durante o processo adolescente”.
No entender desses pesquisadores, é preciso
haver o conflito, a crise para que o jovem cresça,
amadureça, adquira identidade adulta. A noção que o
No presente trabalho discutiremos a visão que
tem o adolescente a respeito da morte e sua percepção
de imortalidade. Iniciaremos comentando as experiências
vividas pelo jovem e as dificuldades por ele
enfrentadas ao passar da infância para a idade adulta.
Alguns pesquisadores já se preocuparam em descrever
as diferentes transformações que ao mesmo tempo
perturbam o jovem e o preparam para experiências
posteriores da vida, as quais passaremos a comentar
em seguida.
Aníbal Ponce1, psicanalista argentino que brilhantemente
escreveu a respeito das vivências emocionais
dos adolescentes , iniciou os estudos desta fase
da vida comentando ser o jovem aquele indivíduo em
permanente conflito, controvertido em suas idéias e
repetidamente envolvido em atitudes paradoxais. A
causa desta “confusão” toda foi posteriormente chamada
de “síndrome da adolescência normal”. Os principais
aspectos desta síndrome serão apresentados
neste artigo.
Antes de descrever as características desta
síndrome, é preciso dizer que seus autores afirmaram
que os transtornos psicopatológicos observados nada
mais são que a expressão magnificada, distorcida, do
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O jovem e sua visão de imortalidade
jovem tem da possibilidade de morrer ou de se deparar
com a perda de alguém significativo o bastante
para fazê-lo sofrer de modo intenso, faz com que ele
viva o dia-a-dia como alguém quase que invulnerável,
inatingível pelas coisas que afligem os adultos e aqueles
que estão distantes do seu cotidiano.
A síndrome da adolescência normal decorre de
vivências na maioria das vezes total ou parcialmente
inconscientes. Esses eventos íntimos assinalados por
Aníbal Ponce1, e mais detalhados e elaborados por
Arminda Aberastury2, são:
1- luto pelo corpo infantil perdido
2- luto pela identidade e papel infantil perdidos
3- luto pelos pais da infância, também perdidos.
1- O LUTO PELO CORPO INFANTIL
O jovem assiste passivamente às suas mudanças
e se vê impotente frente à realidade concreta.
Esta impotência faz com que ele desloque sua rebeldia
para a esfera do pensar. Ele passa a fazer um
manejo onipotente das idéias frente ao fracasso da
realidade. Isto fica bem evidente nas idéias de reforma
do mundo, tanto sociais quanto políticas, religiosidade
por vezes intensa. Há o pensamento de que nada
o atinge. Esta onipotência faz com que o adolescente
acredite na sua imortalidade ou na daqueles que lhes
são caros (negação da morte).
2- O LUTO PELA IDENTIDADE E PELO
PAPEL INFANTIL PERDIDOS
Ao mesmo tempo que o adolescente não pode
manter os papéis infantis, ele não pode assumir a independência
plena do adulto. Existe uma “fase do fracasso
de personificação”. Ele então delega ao grupo
parte de seus atributos, e aos pais boa parte de suas
responsabilidades e obrigações. Verificamos, aí, a
irresponsabilidade típica desta fase.
O jovem vive um processo característico de
comprovação e experimentação de objetos do mundo
real e da fantasia que se confundem. Isto permite
despersonificar os seres humanos, tratando-os como
objetos de suas satisfações. As assim chamadas relações
objetais têm caráter muito intenso, embora sejam
frágeis e fugazes. As manifestações migram das
crises passionais (idolatria à personalidades da mídia,
colegas da escola, namorado(a), lendas do rock e do
futebol, etc) a indiferenças absolutas, muitas vezes cruéis,
com pessoas e animais.
A negação do luto associada à identificação
projetiva (fato do indivíduo visualizar em terceiros características
que são na verdade pertencentes a ele
mesmo) levam-no a ter pensamentos com particularidades
do grupo ao qual pertence (“turmas”). Amor e
ódio, culpa e reparação são sentimentos intensamente
vividos e rapidamente eliminados.
3- LUTO PELA PERDA DOS PAIS DA INFÂNCIA
As contradições existentes nas atitudes e pensamentos
causam incongruência entre os pais
internalizados e os pais reais. Essas contradições aparecem
quando um jovem paga os refrigerantes consumidos
pela “turma” na lanchonete (potente perante
terceiros) com o dinheiro que ele pediu aos pais (dependente
da família). Esta alternância de sentimentos,
ser dependente ou independente, capaz ou incapaz,
levam o adolescente a interromper a comunicação
com os pais externos, reais: refugia-se no quarto,
faz meditação, análise, escreve em diário íntimo, projeta
a imagem paterna idealizada em professores,
amigos próximos, atletas, políticos, etc. A solidão periódica
é ativamente procurada pelo adolescente porque
facilita a conexão com os objetos internos e a sua
substituição, o que enriquece mais o seu ego.
Com relação à noção de tempo, o adolescente
apresenta contradições entre o imediatismo e a capacidade
de postergar indefinidamente qualquer ação.
Ao elaborar os lutos ele se torna capaz de localizar o
corpo e papel infantis no passado, aceitar o transcurso
do tempo e reconhecer o conceito de morte como
irreversível e natural.
Aníbal Ponce1 considerava o descobrimento do
tempo e da morte como um tormento tão perturbador
quanto o sexo e o desenvolvimento da sexualidade
adulta. Dizia que a percepção interna de que os momentos
vividos se sucedem inexoravelmente constitui
um bombardeio de sentimentos dolorosos. A noção de
que a vida passa num fluir incessante deixam-no diante
de um sentimento de inutilidade de todo o seu esforço
para crescer e amadurecer. Seu medo de envelhecer
e morrer turvam seus sonhos, seu ideal de independência
e, se não tiver forças que o prendam à
vida, ele passa a ser perseguido por forte sentimento
de desesperança, que vez ou outra culminam com o
suicídio. Ocorre uma convivência angustiante com a
solidão e a finitude da vida, que fragiliza o adolescente,
o qual necessita de muita compreensão e apoio. Se
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Guimarães JP
está doente, a explicação dos fenômenos feita pelo
médico representa um consolo; se tem pensamentos
místicos, a religião o conforta. O jovem pode lançar
mão da defesa psíquica, que o faz retomar pensamentos
e sentimentos de poder total ante a degeneração
e a morte.
Guimarães JP. Immortality feeling among adolescents. Medicina ( Ribeirão Preto) 2005; 38 (1): 42-44.
Abstract: The text discusses the adolescent omnipotent vision regarding death. Based on
Anibal Ponce’s theories, which were developed by Maurício Knobel and Arminda Aberastury, it
analyzes some aspects of the “normal adolescent syndrome”.
Keywords: Adolescence. Death. Normal Adolescent Syndrome.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - Ponce A. Psicología de la adolescência. 2ª ed. México
DF:Union Tipográfica Editorial Hispano–Americana; 1938
(Reimpresión de 1960).
2 - Aberastury A, Knobel M. Adolescência normal: um enfoque
psicanalítico. 10th ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992.
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